dezembro 17, 2005

Compras de Natal

Que linda época esta, não? As ruas são iluminadas pelos mais variados motivos: anjinhos, sininhos, bolinhas e pais natalinhos. Ecoam músicas nataíicias...o friozinho de estalar os ossos até sabe bem, quando bem enroladinhas em caxecois e luvas quentinhas. O cheiro das castanhas invade-nos as narinas e duplicam-se os pais natais em todas as esquinas. Pois é...é tudo muito lindo...mas muito pouco espirituoso!
As crianças de hoje mal sabem, se é que sabem mesmo alguma coisa, porque se festeja o natal. Eu falo isto com razão de causa, porque mesmo nos meus tempos de criança (não há muito tempo) o natal já era mais virado para as prendas do que para outra coisa qualquer. Mas agora sinto mais agressividade em tudo... Antes os anúncios de brinquedos só davam de manhã, com os desenhos animados...agora dão de manhã, à tarde, à noite...quase ininterruptamente...anunciam as mesmas porcarias de sempre, desde cães robots a bonecas horrorosas que mijam e cagam e que dizem "mamã, papá, quero comer, quero peidar-me..."; ou os famosos ActionMan (o action man fuzileiro, o action man matador, o action man estripador...), e uma infinidade de coisas pouco ou nada didáticas. E como os putos de hoje em dia já não brincam na rua, não jogam à apanhada nem às escondidas, à cabra-cega ou aos polícias e ladrões, porque na rua estão só pedintes e os tarados, nem fazem bolos de areia porque suja as mãos...ficam em casa de olhos pregados no televisor, a comer shetoos com manteiga, a ver todo esse mundo de coisas novas que eles vão, de certeza, querer pelo natal. E é claro, se houver dinheiro, os ditos putos vão ter mesmo tudo o que querem. Senão fazem um escândalo e atiram-se para o chão a bater com a própria cabeça no soalho.
E para além das prendas para os pirralhos mal educados, lá vai tudo a correr comprar mais prendas para este e para aquele. Para o menino do Tó, porque o Tó mudou-me um pneu no outro dia; para a netinha da Dona Idalina, porque a Dona Idalina emprestou-me uma cebolinha há dias; para os miúdos do Esteves, porque a mulher dele viu-me a sacudir um tapete em cima do estendal da Sra do 5º andar. E depois têm de comprar também prendas para a família toda, desde primos e tios que nunca vêm, às avós que estão entravadas numa cama o ano inteiro, às quais não ligam nenhuma, mas pelo natal levam com umas pantufinhas para aquecer...como se as pantufinhas substituissem a falta de atenção. E não interessa que as pantufas lhe sirvam, apenas interessa que lhe dêm a porra das pantufas.
Eu não sou religiosa...não sei sequer se acredito no nascimento do menino Jesus e em todo o bem que ele terá (ou não) feito...mas também não faz mal nenhum que se mantenham tradições, quando estas são puramente inofensivas e só aludem à união das pessoas, à propagação do bem e da solidariedade. Claro que melhor seria que as pessoas fossem boas e solidárias o ano inteiro e não só quando chega o Natal... mas enfim... deve ser para terem mais hipóteses de receberem pelo natal o Mp3 ou a Última Playstation.
É triste...é triste ver que as pessoas nem sequer se divertem, antes pelo contrário, andam stressadíssimas porque ainda não compraram tudo e porque já nem têm mais dinheiro e vão ter de pedir empréstimos...quase que as ouço dizer "Fosgasse, ainda não tenho nada para dar à parva da Inês...e está a fazer-me perder cá um tempo! Porquê que ela existe???"
Na rua ou nos centros comerciais as pessoas empurram-se, abalroam-se, insultam-se, para passarem com os sacos de compras. E, provavelmente, tudo aquilo que compraram nem sequer é útil para quem vai receber. A minha pregunta é: o que dar a pessos que já têm tudo? Nada... Eu não vou dar nada a ninguém, porque, felizmente, todas as pessoas que rodeiam a minha vida, não têm falta de nada...e portanto não vou comprar um pavãozinho de cerâmica ou um conjuntinho de pegas só para dizer que dei alguma coisa... Mas vou, com certeza, sentar-me à mesa, falar disto e daquilo, rir e gargalhar, partir o tradicional perú recheado ou o bacalhauzinho cozido...e vou estar com aqueles que mais gosto. E ponto final. Haverão lacunas, haverão lugares vazios à mesa... mas não no coração.
Este texto é um pouco mais serio que os habituais. Mas é a expressão da minha "revolta"...e para que quem estivesse a pensar dar-me seja o que for pelo Natal... que não precisam preocupar-se... um "Alô! Tudo bem? Vai um cafézinho?" ou um "hoje lembrei-me de ti!"...ou...enfim...qualquer palavra...tem mais impacto que um embrulho...

Ana Luelmo