dezembro 05, 2007

Os defeitos dos portugueses

Não é que esteja de mal com a vida e me apeteça ofender as pessoas. Também não me aconteceu nada de insólito nem acordei com os pés de fora. Até porque para dizer mal nenhuma destas coisas é essencial. Porquê? Porque moro num país chamado Portugal.

Os portugueses são indivíduos curiosos, ou indebiduos curiosos, como diria o Comandante Torresmo do Quartel dos Bombeiros Voluntários de Fergonholas-a-Velha.

Há uma forte propensão para a bacorada. A língua portuguesa anda aos tropeções na boca de uns e de outros. E não se escolhem idades ou estatutos, qualquer um pode ribombar uma boa asneira, com dentes ou sem eles. Elas saem da boca de condutores de metropolitano ou de professores de matemática aplicada. De meninos de 10 anos (que afinal não sabem assim tanto) ou dos seus extremosos progenitores. E pela insistência que a maioria das pessoas demonstra em repetir certas sandices, qualquer dia já aparecem no dicionário no glossário "alternativas possíveis". De maneiras que háden vir os dias que a gente pÓssamos dizer o que nos apetece! E acho muito bem! Ou será que só os brasileiros é que podem mandar chutos gramaticais sem serem repreendidos?

Depois há aquela coisa provinciana de seguir à letra a filosofia "Menos é Mais". Podem morar por baixo de goteiras e entre colónias de baratas gigantes, mas ter um Mercedes à porta.

"Oh Manela, com quanto menos condições vivermos, melhor pode ser o carro!" - diz o Aurélio;

"Oh criatura, vai-me arranjar antes esses dentes!" - replica a Manela.

Mas como na nossa tradição paternalista a mulher não manda nada, a Sra. Manuela só tem é de se calar ou fica também ela sem os dentes.

Não posso deixar também de falar na regra dos três F's. Para não pensarem já em coisas erradas, eu explico: Fátima, Fado e Futebol (embora não saiba ao certo se Fátima vem antes ou depois do Futebol em termos de prioridades e interesses).

Tive oportunidade de estar em Fátima há bem pouco tempo. Fui visitar a nova igreja, que é muito bonita, por sinal. E em Fátima pude ver o recheio real de que é feito o país.
"Ai, Credo, aquele Senhor não se parece nada com o Nosso Senhor! É preto, parece que vem de Angola!" - reclama, indignada, uma peregrina devota, enquanto outros anuem com a cabeça.

"Eu acho que aquela igreja parece uma nave espacial!" - intervém um homem com metade do almoço a sair da boca.

"Cerrem-me essas bocas, pobres diabos!, que Deus está-nos a oubir, e abre-se-nos já aqui uma fenda na terra como no versículo 17, 8-3, do Apocalipse !" - grita o Sr. do boné a dizer Benfica.

À frente da escultura do João Paulo II gera-se uma fila enorme, todos a quererem beijocar-lhe o manto. Na Capelinha das Aparições amontoam-se as pessoas e as velas, algumas maiores que as próprias pessoas.

Não tendo nada contra a fé alheia, até porque acho que todos nós transportamos o gene da religiosidade e a capacidade de nos transcendermos a nós mesmos, tanto como temos o gene da fome ou da sexualidade... Não é esta beatice o maior dos pecados? As pessoas são racistas, outras ultra-conservadoras, outras apenas ignorantes. E no entanto, todas elas aspiram a um lugar no céu por irem a Fátima nos dias 13, rezarem o terço às 18h com a Rádio Renascença ou saberem de cor os versículos da Bíblia, que muitas vezes, pouco ou nada querem dizer.

Quanto ao futebol, não há muito a dizer. A supremacia dos benfiquistas é visível, pelos menos em número. Até crianças, mal nascem, são feitas sócias do Clube, sendo assim quase toda a população. Acho que se fosse permitido havia quem pusesse aos filhos nomes do género "Miguel Benfiquista", "Águia Alexandre" ou "Glorioso da Silva". Seja como for fazem-nos sócios mesmo antes de lhes fazerem o BI.

O Fado, nisto tudo, é capaz de ser o que se safa. Não que me arrepie com vozes de absinto em pleno Bairro Alto, mas pelo menos o povo descobre ali uma maneira, de forma original, de conviver através da música. Se tirarmos o absinto até posso dizer que é uma forma saudável de conviver. E em vez de se ir para o Colombo atirar cadeiras aos Seguranças porque o Benfica perdeu, canta-se a plenos pulmões os fados da vida.


Ana Luelmo